EMERGÊNCIA

EMERGÊNCIA é a quinta edição do projeto de exposições TRAVESSIAS. É uma mostra que reúne trabalhos de 16 artistas brasileiros alinhados, de modos diversos, a muito do que emerge com urgência no Brasil de agora. São antecipações ou respostas, feitas em vários suportes ou mídias, a uma dinâmica política que, em anos recentes, têm apontado e combatido as desigualdades extremas que existem entre aqueles que habitam o país. Desigualdades de acesso tanto a bens básicos como saúde ou casa quanto aos direitos de ter fala própria e entendimento coletivo do que se narra.

Não são trabalhos de denúncia somente; tampouco são capazes de reverter os danos sociais que apontam. São antes tentativas de representar, em formas sensíveis – pintura, vídeo, fotografia, instalação –, um Brasil que está entre o desmanche de algo antigo e a formação daquilo que ainda não se conhece ao certo. Trabalhos que roçam em questões e temas que, recorrentes ou novos, estão no centro de muitos dos embates públicos que se travam no país: racismo e afirmação do orgulho de raça, machismo e feminismos radicais, golpes e insurreições, apagamento e ativação da memória, genocídios étnicos e sobrevivências ancestrais, segregação urbana e reinvenção de cidades, pensamentos binários e o atravessamento de gêneros e afetos. Entre outros vários.

Sem possuir qualquer pretensão de abranger a complexa diversidade do que move o país, EMERGÊNCIA reforça e reinventa, através dos trabalhos que agrupa, imagens e gestos que, surgidos em vários cantos e formas, têm confrontado as forças sociais regressivas que teimam em se manter ativas no Brasil. É exposição composta por coro dissonante de vozes que tem menos a pretensão de ser ouvida como discurso organizado e mais a vontade de fazer ruído que inquiete. Inquietação que é a medida sempre incerta do que pode a arte frente à dinâmica da vida. Que é a medida do poder que a arte tem de representar o entorno de modo diverso daquele que é comumente tomado como único, quando é sempre apenas o dominante por um tempo.

EMERGÊNCIA se alia, portanto, à ideia de uma arte que resiste à naturalização da invisibilidade social de determinados sujeitos e de seus entendimentos sobre o mundo. Que reclama a importância das práticas de representação como espaços de disputas abertas para imaginar futuros diferentes da desigual situação presente. Resistência que não é ato passivo frente à violência que acua e deprime tantos, mas, paradoxalmente, movimento ativo de transformação. Que é invenção de meios simbólicos que desacomodam certezas e criam brechas para um rearranjo mais inclusivo do mundo.

Moacir dos Anjos
curador


CURADORIA

Moacir dos Anjos é pesquisador e curador de arte contemporânea da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, onde coordena, desde 2009, o projeto de exposições Política da Arte. Foi diretor do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – MAMAM (2001-2006) e pesquisador visitante no centro de pesquisa TrAIN – Transnational Art, Identity and Nation, University of the Arts London (2008-2009). Foi curador do pavilhão brasileiro (Artur Barrio) na 54ª Bienal de Veneza (2011), curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010), co-curador da 6ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre (2007), e curador do 30º Panorama da Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna (2007), em São Paulo. Foi curador da mostra coletiva Cães sem Plumas (2014), no MAMAM e de exposições retrospectivas dos trabalhos de Cao Guimarães (2013), no Itaú Cultural, e de Jac Leirner (2011), na Estação Pinacoteca, ambas em São Paulo. Publica regularmente em revistas acadêmicas e catálogos de exposição. É autor, entre outros, dos livros Local/Global. Arte em Trânsito (Zahar, 2005) e ArteBra Crítica. Moacir dos Anjos (Automatica, 2010), além de editor de Pertença, Caderno SESC Videobrasil 8, São Paulo (SESC/Videobrasil, 2012).


 
 
 

BÁRBARA WAGNER E BENJAMIN DE BURCA
Faz que vai, 2015
Vídeo, 12’’

Tomando por título o nome de um passo de Frevo que simula um momento de instabilidade do corpo, o vídeo “Faz que vai” retrata quatro bailarinos exibindo modos particulares de articular uma forma de tradição popular e questões socioeconômicas e de gênero. Entre a submissão à indústria do entretenimento e a resistência a se cristalizar como folclore, o frevo emerge, no trabalho, como plataforma simbólica para invenção de corpos.

 
 

CLARA IANNI
Tratado, 2016
Impressão com tinta pigmentada mineral sobre papel Evolution Off White Rag 270g

“Tratado” associa as imagens das mãos do então presidente interino Michel Temer e de cada um dos 23 ministros de seu governo, no momento em que assinavam os termos de posse, após o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff. Os paletós escuros dos signatários sugerem a ausência de mulheres entre eles. As cores de suas mãos – rebatidas em campos cromáticos acima e abaixo das fotografias – indica não haver ali um único ministro negro.

 
 

DANIEL LIMA
Saída de Emergência, 2016
Vídeo

“Saída de emergência” é um projeto que incorpora e equaciona, na forma de vídeos, intervenção urbana, música e performance, tendo como centro a investigação e a interferência sobre processos de controle social em territórios diversos. Projeto em curso e em expansão permanente, a versão exibida na exposição incorpora ações desenvolvidas pelo artista em São Paulo, Medellín, Havana, Nova Iorque, Baltimore e Porto Príncipe.

 
 

GUSTAVO SPERIDIÃO
GRÁFICA UTÓPICA IMPRIME MELANCOLICAMENTE O PESADELO INSTAURADO COM A CAPTURA DAS NUVENS, 2015
Colagem sobre tela

A Cavalaria, 2017
Carvão sobre parede

Os dois trabalhos apresentados desmancham os limites convencionalmente assumidos entre desenho, pintura e texto, justapondo sem hierarquia imagens e escritos. São apelos aos sentidos e convocações a movimentos de mudança postos em marcha por indivíduos e grupos. São afirmações de crença na capacidade que a arte e a poesia têm de afetar os corpos, valendo-se para isso, em justas medidas, de humor, lirismo e violência simbólica.

JAIME LAURIANO
Suplício #4, 2017
Vitrine contendo corrente, corda plástica, fitas adesivas, abraçadeiras plásticas, lâmpadas halógenas, pedras, entulhos e pedaços de vidro.

Suplicio #5, 2017
Impressão off-set

“Suplício” ajunta, em vitrine museológica e em glossário ilustrado, objetos usados para linchamentos ao longo da história do Brasil, sejam os cometidos pela multidão anônima, sejam os perpetrados por policiais em ações em que ignoram as mais básicas normas legais. Objetos ordinários utilizados, no país, para golpear majoritariamente pobres, jovens e negros, sem que haja qualquer possibilidade de defesa ou respeito à presunção de sua inocência.

JOTA MOMBAÇA
Soterramento, 2016
Performance/instalação

Na performance “Soterramento”, cujo registro em vídeo é apresentado em instalação que traz também seus vestígios, o corpo soterrado respira e finalmente emerge do monte de terra que o sufoca, resistindo à aniquilação a que foi submetido. Mais que lembrança de violências específicas, é metáfora da capacidade de sobrevivência de corpos insurgentes frente aos necropoderes contemporâneos. É gesto que assinala a potência da vida (e da arte) no combate às práticas de morte.

 
 

LAIS MYRRHA
Pódio para ninguém, 2010
Instalação

“Pódio para ninguém” faz recordar o poder que a arte tem de criar zonas de instabilidade, nas quais o familiar se torna estranho e a lógica convencional parece falhar. O que seria lugar para ostentar e celebrar vitórias – um pódio – é território em progressivo desmanche, aproximando o supostamente duradouro do que é impermanente. No encontro de materiais e formas específicas, instala a brecha para que narrativas diversas sejam inventadas.

 
 
 

LOURIVAL CUQUINHA
Transição de Fase, 2014-2017
Produtos comprados à imigrantes que trabalham como ambulantes em Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Paris e Londres, fotografias, madeira, cobre, prata e outras representações de valor.

“Transição de Fase” associa produtos comprados a imigrantes que os comercializam nas ruas às imagens desses vendedores impressas em material de valor equivalente ao custo de suas mercadorias. Funciona, assim, como painel visual do que também é o Brasil de agora, a despeito de todas as práticas de invisibilização social de que são vítimas os imigrantes pobres que chegam ao país, oriundos majoritariamente de países da África e da América do Sul.

MARIANA LACERDA
E PEDRO MARQUES
Deserto, 2016
Video-instalação, 14”

Dentre as insurgências brasileiras recentes, uma das mais inesperadas e potentes foi a promovida por estudantes secundaristas, pondo em cheque formas de controle e práticas de ensino e propondo repensar-se o espaço da escola como território de emancipação. “Deserto” apresenta, com delicadeza e quase nostalgia, imagens dos ambientes ocupados da Escola Fernão Dias, em São Paulo, na madrugada do dia 20 de dezembro de 2015, pouco antes do término da mobilização estudantil.

 
 
 

MARILÁ DARDOT
A República, 2016
Impressão digital sobre tecido de algodão

“A República” é formada por três bandeiras que destacam, separadamente, as principais formas geométricas que constituem o estandarte do Brasil. Cada uma delas é preenchida pela transcrição dos votos dos deputados federais que votaram pela admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, destacando seus apelos à família, a Deus e aos amigos. É trabalho que afirma, de modo claro, o que move os atos da maior parte da classe política no país.

 
 
 

PAULO NAZARETH
Auto Declaração De Homem Negro Afro-Indígena/
Afro Borum, 2017
Panfleto

Homem Negro Afro Indígena Caminha pela Maré, 2017
Panfleto

Projeto/coleção: todas as vezes que sou parado tomado como bandido, delinquente, mal elemento, narcotraficante, ladrão, terrorista, débil mental, louco, psicopata, sociopata, entre outras possíveis ameaças sociais pela polícia militar e similares oficiais em diferentes partes do mundo, 2016
Panfleto

Aqui y La, 2017
Panfleto

Teste do lápis –
para eu ficar aqui, 2017
Vídeo

O conjunto de trabalhos apresentado lembra que a subjugação de humanos e sua redução à condição de mercadoria no Brasil alcançaram tanto seus povos nativos quanto povos africanos escravizados. Sugere a vizinhança histórica e simbólica entre etnias indígenas e populações negras por terem ambas experimentado a violência da colonização europeia no “novo mundo” e por ainda sofrerem suas consequências atualizadas.

 
 

REGINA PARRA
Manter-se aterrorizada/
tornar-se terrível, 2016
Néon

“Manter-se aterrorizada/tornar-se terrível” inverte e transforma em fala feminina frase que anuncia duas opções de como portar-se diante de violências sofridas, há muito enunciadas pelo ensaísta martinicano Frantz Fanon. É trabalho que evoca os abusos e agressões que regem a história do Brasil e que tem nas mulheres – principalmente as negras, indígenas e brancas pobres – seus alvos mais frequentes. É trabalho que sugere o combate decidido ao que é insuportável para tanta gente.

Rosana Palazyan
O jardim adormecido [da Maré], 2017
Madeira, terra coletada em diversos pontos da Maré, sementes dormentes, plantas, terra adubada, reservatório de água, sistema irrigação, tela de metal, lâmpadas de Led.

O jardim adormecido [da Maré] faz parte de uma série inédita criada em 2012 para ser desenvolvida em um espaço público ao ar livre. Ao ser apresentado dentro do Galpão Bela Maré, o projeto de arte pública foi proposto como um objeto vivo, em constante transformação. Com a forma do mapa da maré, o jardim será composto inicialmente da terra coletada em vários pontos do bairro. O conjunto das espécies de plantas só será conhecido quando as sementes dormentes no solo começarem a geminar e transformarem o jardim em uma composição surpreendente e inesperada.

Construído com madeiras encontradas na comunidade, o objeto faz referência a um jardim suspenso. Ripas de madeira reutilizadas elevam a forma do território a uma certa altura, fazendo-o emergir. A memória histórica do bairro, como as primeiras casas feitas sobre palafitas também está presente. Sua aparência estará em constante processo: algumas espécies poderão não sobreviver no ambiente e outras irão crescer ou até florescer.

A proposta é que terra coletada nas ruas, nos vasos das casas (doadas por moradores) ou espaços públicos e culturais de cada comunidade da Maré – traga sementes dormentes de plantas variadas. Desde aquelas consideradas daninhas que nascem de forma espontânea nas calçadas, às sementes de espécies queridas cultivadas pelos moradores, adormecidas na terra de seus vasos, como: medicinais, comestíveis e ornamentais. O Jardim também receberá terra das pessoas que trabalham em parceria no desenvolvimento do projeto e vivem em outros bairros da cidade. Estabelecendo trocas culturais e afetivas e representando a diversidade que constitui um território, sem estabelecer fronteiras.

A ideia original do projeto, tem como base o conceito de dormência em sementes, como “um mecanismo de sobrevivência e perpetuação das espécies, permitindo que sementes de algumas plantas ao se manterem dormentes, sobrevivam às adversidades que impediriam seu crescimento – só ocorrendo germinação quando tal restrição for superada”. Conceito encontrado em livros de agronomia durante o processo de trabalhos anteriores. E nos experimentos desses trabalhos, ao observar plantas desconhecidas surgirem nos vasos, passando a cultivá-las junto às já existentes.

Em O jardim adormecido [da Maré], a ideia de que as sementes dormentes esperam uma oportunidade e o momento certo para germinarem, a água é o elemento que rompe a barreira da casca e desperta o embrião. No galpão Bela Maré, o jardim receberá cuidados. E os elementos básicos (água, luz e amor) poderão nos trazer surpresas ao fazer despertar uma diversidade de plantas inesperadas, propondo a reflexão de como irão conviver juntas.

* A série inédita O Jardim adormecido (2012) foi criada inicialmente para a cidade do Rio de Janeiro. Com o formato de seu mapa, seria desenvolvida em um espaço público e receberia terra de moradores de vários bairros. Com uma ação contínua, está série será proposta para outros bairros ou cidades com os respectivos formatos de seus mapas.

** A coleta de terra nas comunidades da Maré está sendo realizada em parceria com o projeto Muda Maré (Isabel Leoni, Júlia Rossi e Ruth Osório) que é desenvolvido no bairro.

*** Contamos com a consultoria do agrônomo Leonardo Medici que está nos orientando sobre as necessidades básicas (estudo de iluminação e irrigação, etc) para que o projeto possa ser desenvolvido com maior segurança, mesmo se tratando de um processo que depende da natureza e que gera incertezas.

Rosana Palazyan, 17/04/2017

 
 
 

THIAGO MARTINS DE MELO
Bárbara Balaclava, 2016
Animação, 14’37”
Direção, roteiro, pinturas e desenhos: Thiago Martins de Melo
Montagem, efeitos e trilha sonora: Guilherme Fogagnoli
Tarot: Viviane Vazzi Pedro
Produção: Samantha Moreira

Em edição vertiginosa de imagens, “Bárbara Balaclava” exibe cenas de conflito e confronto nas histórias recente e distante do Brasil. Avança e recua no tempo para afirmar a longevidade dos processos de dominação violenta que subjuga, por séculos, populações nativas do país ou trazidas do continente africano e escravizadas aqui. Em simultâneo, mobiliza crenças e tudo que resiste à morte e fortalece corpos para contar uma insistente história de insurreição daqueles povos.

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GALPÃO BELA MARÉ

Rua Bittencourt Sampaio, 169, Maré. Entre as passarelas 9 e 10 da Av. Brasil. MAPA.

De terça a sexta, das 10h às 17h. Sábado das 11h às 17h. Entrada Gratuita.